Entre
as águas que corriam a Rua Fernando de Camargo, em Americana, na tarde chuvosa
desta terça-feira, duas histórias me chamaram a atenção. Em um quebra-cabeça da
vida, várias peças juntaram-se, uma ao lado da outra no ponto de ônibus e todas
formaram o desenho ideal de seres-humanos que tem muito a contar, mas que
jamais seriam pauta para um veículo de comunicação.
Uma mulher
de cabelos curtos e pretos, pele branca, e um sorriso de canto a canto da boca comemorava
uma conquista. Um senhor careca, com bengala na mão, expressão de cansado e
manco fingia não se importar com nada, nem com os buracos na calçada que o
atrapalhavam ainda mais na caminhada. Jovens atordoados e sob efeito de álcool e
drogas iam e voltavam mexendo com as pessoas no ponto de ônibus.
- O
ônibus que vai para o Romano já passou? – questionou a mulher, com
aproximadamente 40 anos.
- Eu
vim atrás de emprego. Eu consegui um emprego. Agora não trabalho mais de
doméstica nem em casa. Agora eu trabalho no Extra – dizia freneticamente após
obter a resposta sobre o ônibus.
Os seus
olhos brilhavam de um modo surpreendente. Seu sorriso exalava alegria e parecia
até mesmo um sorriso de uma criança quando ganha um brinquedo novo. Mesmo
sentada balançava as pernas no banco e tinha a necessidade de repetir que havia
conseguido o emprego.
-Quanto
você vai trabalhar? 6x1? – Questionava o senhor com a bengala, enquanto a
mulher sorria e repetia que havia conseguido o emprego.
-O que?
Quanto eu vou ganhar? – Respondeu inocentemente.
-Não,
eu quero saber quanto tempo você vai trabalhar, quando vai folgar – Revidou o
senhor, sem soltar um único sorriso ou expressão de alegria pela conquista
daquela desconhecida.
-A, eu
tenho uma folga por semana e um domingo por mês. Vou ganhar setecentos e poucos
reais e...
-Nossa,
o salário é baixo mesmo.
- Mas eu tenho cesta básica em
dinheiro e vale transporte. Olha, nesse emprego eu ganho vale transporte. E
setecentos e poucos é melhor do que não ganhar nada em casa.
O
silêncio por alguns instantes predominou, mas o sorriso daquela mulher
prevalecia. O brilho do seu olhar chegou a espantar a melancolia da tarde
chuvosa e o assunto voltou-se para a vida daquele senhor.
- Eu
trabalhei muito nessa vida, agora estou afastado há mais de 20 anos. Estou
tentando me aposentar pelo INSS, mas tive que entrar na justiça. É tudo muito
humilhante.
A
mulher apenas olhou em sua direção e ele continuou:
- Eu tenho problema
na coluna e não posso mais operar. Fiz duas cirurgias, tirei osso daqui,
coloquei ali, tenho pino aqui, já usei traqueo, quase não consigo andar e estou
tentado mesmo aposentar. Eu só quero sossego. É muito humilhação ir naquelas
pericias. Já contratei dois advogados e eles mentiram para mim. Agora luto para
aposentar por conta própria, dei entrada com os papeis na justiça e eu mesmo
vou atrás de tudo.
O silêncio
continuou, até ser quebrado pelos jovens, que sob efeito de álcool e drogas
mexiam com todos no ponto de ônibus.
- Vejam
estes jovens, com tanta saúde, tanta disposição, podem fazer o que querem e
estão ai, assim. Eu aqui, sonhando em trabalhar e não posso.
O seu
ônibus chegou, com dificuldade ele levantou do banco e soltou um sorriso ao
dizer tchau. Parece ter desabafado, sua dor era nítida a cada passo que dava.
A
mulher do emprego de setecentos reais continuou sorrindo, agora sozinha e pela
sua expressão não via a hora de poder utilizar seu primeiro vale transporte
ganho no emprego.
O homem
triste com dor, talvez não veja mais estes jovens saudáveis que desperdiçam as
oportunidades e muito menos a mulher de quarenta e poucos anos que conseguiu um
emprego, mas com certeza, tenha em si a serenidade de que aproveitou o quanto
pode e que setecentos reais, para ele pode ser pouco, mas para outros é uma
fortuna e uma grande conquista.
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