terça-feira, 2 de abril de 2013

Cotidiano


                Entre as águas que corriam a Rua Fernando de Camargo, em Americana, na tarde chuvosa desta terça-feira, duas histórias me chamaram a atenção. Em um quebra-cabeça da vida, várias peças juntaram-se, uma ao lado da outra no ponto de ônibus e todas formaram o desenho ideal de seres-humanos que tem muito a contar, mas que jamais seriam pauta para um veículo de comunicação.
                Uma mulher de cabelos curtos e pretos, pele branca, e um sorriso de canto a canto da boca comemorava uma conquista. Um senhor careca, com bengala na mão, expressão de cansado e manco fingia não se importar com nada, nem com os buracos na calçada que o atrapalhavam ainda mais na caminhada. Jovens atordoados e sob efeito de álcool e drogas iam e voltavam mexendo com as pessoas no ponto de ônibus.
                - O ônibus que vai para o Romano já passou? – questionou a mulher, com aproximadamente 40 anos.
                - Eu vim atrás de emprego. Eu consegui um emprego. Agora não trabalho mais de doméstica nem em casa. Agora eu trabalho no Extra – dizia freneticamente após obter a resposta sobre o ônibus.
                Os seus olhos brilhavam de um modo surpreendente. Seu sorriso exalava alegria e parecia até mesmo um sorriso de uma criança quando ganha um brinquedo novo. Mesmo sentada balançava as pernas no banco e tinha a necessidade de repetir que havia conseguido o emprego.
                -Quanto você vai trabalhar? 6x1? – Questionava o senhor com a bengala, enquanto a mulher sorria e repetia que havia conseguido o emprego.
                -O que? Quanto eu vou ganhar? – Respondeu inocentemente.
                -Não, eu quero saber quanto tempo você vai trabalhar, quando vai folgar – Revidou o senhor, sem soltar um único sorriso ou expressão de alegria pela conquista daquela desconhecida.
                -A, eu tenho uma folga por semana e um domingo por mês. Vou ganhar setecentos e poucos reais e...
                -Nossa, o salário é baixo mesmo.
                - Mas eu tenho cesta básica em dinheiro e vale transporte. Olha, nesse emprego eu ganho vale transporte. E setecentos e poucos é melhor do que não ganhar nada em casa.
                O silêncio por alguns instantes predominou, mas o sorriso daquela mulher prevalecia. O brilho do seu olhar chegou a espantar a melancolia da tarde chuvosa e o assunto voltou-se para a vida daquele senhor.
                - Eu trabalhei muito nessa vida, agora estou afastado há mais de 20 anos. Estou tentando me aposentar pelo INSS, mas tive que entrar na justiça. É tudo muito humilhante.
                A mulher apenas olhou em sua direção e ele continuou:
-  Eu tenho problema na coluna e não posso mais operar. Fiz duas cirurgias, tirei osso daqui, coloquei ali, tenho pino aqui, já usei traqueo, quase não consigo andar e estou tentado mesmo aposentar. Eu só quero sossego. É muito humilhação ir naquelas pericias. Já contratei dois advogados e eles mentiram para mim. Agora luto para aposentar por conta própria, dei entrada com os papeis na justiça e eu mesmo vou atrás de tudo.
                O silêncio continuou, até ser quebrado pelos jovens, que sob efeito de álcool e drogas mexiam com todos no ponto de ônibus.
                - Vejam estes jovens, com tanta saúde, tanta disposição, podem fazer o que querem e estão ai, assim. Eu aqui, sonhando em trabalhar e não posso.
                O seu ônibus chegou, com dificuldade ele levantou do banco e soltou um sorriso ao dizer tchau. Parece ter desabafado, sua dor era nítida a cada passo que dava.
                A mulher do emprego de setecentos reais continuou sorrindo, agora sozinha e pela sua expressão não via a hora de poder utilizar seu primeiro vale transporte ganho no emprego.

                O homem triste com dor, talvez não veja mais estes jovens saudáveis que desperdiçam as oportunidades e muito menos a mulher de quarenta e poucos anos que conseguiu um emprego, mas com certeza, tenha em si a serenidade de que aproveitou o quanto pode e que setecentos reais, para ele pode ser pouco, mas para outros é uma fortuna e uma grande conquista.  



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